Caronte
O peregrino Joshua olhava as estrelas através da janela do quarto da pensão, a qual deixara aberta para ventilar o recinto naquela incomum quente noite de outono. A lua ia alta, e no silêncio do vilarejo de Riacho Bonito, deitado na cama, relembrava seus entes queridos há muito levados por Caronte, e a saudade apertou seu coração, fazendo Joshua sorrir. Ao mesmo tempo, ouviu um baixo choro cruzar a parede de madeira que dividia os quartos da pensão. Ponderou, por alguns momentos, se deveria ou não interferir, e acabou por se levantar para conferir o que acontecia, pois não deixaria ninguém sozinho e desamparado, especialmente no meio da noite.
No quarto ao lado do seu, encontrou um jovem rapaz sentado na cama, que, ao ver Joshua, falou:
– Eu não quero morrer! Tenho medo… – e levou ambas as mãos ao rosto.
– Está tudo bem, meu filho, tranquilize-se – disse calmamente Joshua, sentando na cama ao lado do rapaz, colocando a mão sobre seu ombro. – É inafastável o fato de que todos nós, algum dia, encontraremos o barqueiro Caronte, que nos conduzirá pelos rios das marés da vida.
– Eu sei… – e o rapaz enxugou as lágrimas com as mãos. – Os rios Styx e Acheron. Também gosto de mitologia.
– Exatamente – e Joshua aquiesceu com aceno de cabeça, sorrindo. – Por desconhecerem o que os espera, os homens buscam maneiras diferentes de lidar com este acontecimento. Deixe-me perguntar-lhe algo: no que você acredita?
O rapaz olhou para Joshua e respondeu:
– Não sei ao certo. Só sei que a ideia de morrer me apavora.
– Entendo… Bem, se me respondesse que acredita em Deus, eu lhe perguntaria: por que temer a morte, se há uma vida após ela? O religioso acredita na perpetuidade da alma, bastando que seja bom e honesto para merecer o perdão divino e o céu. No seu caso em particular, meu bom rapaz, ainda haveria tempo de sobra para propagar o bem, e se despreocupar com a chegada de Caronte. Se realmente acredita em Deus, então, a morte não é o fim de nada, e sim somente um acerto de contas. Se fosse um Kardecista, por exemplo, o fato de desencarnar oportunizaria que encontrasse amigos e parentes que há muito deixaram esse mundo, o que não seria de todo ruim, não é mesmo?
– É verdade… Mas e seu eu acreditar em nada?
– Então, eu perguntaria: por que temer a morte, se não há vida após ela? Inexistindo Deus, céu e inferno, onde a vida se extingue como o fogo de uma vela, qual o motivo de temê-la? Quando chegar, não terá tempo de refletir sobre suas consequências, e após ela passar, não mais possuirá consciência… Assim, por que se preocupar com o nada?
– Hm – e o rapaz sorriu de leve.
– Observe que, em ambos os casos, Caronte não deve afligi-lo – e Joshua se levantou da cama. – Muitas pessoas passam sua existência se ocupando com o medo da morte, e acabam esquecendo-se de viverem, e isto, sim, é imperdoável. E não defendo um viver hedonista, mas apregôo a alegria da primavera, a beleza das flores e o calor humano. O importante é sabermos utilizar o tempo que nos é dado, propagando o bem, a solidariedade, e quando o momento chegar, Caronte, certamente, nos conduzirá por águas e marés tranquilas. Aproveite seu tempo neste mundo, meu filho, e lembre-se: independente de no que você acredita, a morte afetará, unicamente, a matéria orgânica.
Joshua acomodou o rapaz na cama e retornou para seu quarto, e pelo restante da noite a pensão foi tomada por um tranqüilo silêncio, enquanto o peregrino olhava as estrelas.
Aos queridos leitores de Joshua: as colunas, de agora em diante, trarão menções a memórias da vida de Joshua antes dele se tornar um peregrino, bem como nomes de locais pelos quais ele passou. A própria citação de Caronte guarda estrita relação com o ocorrido com Joshua. Essas mudanças acontecem em virtude da futura publicação do livro ‘Crônicas de Joshua’. Para os leitores que quiserem maiores esclarecimentos sobre o que aconteceu com o peregrino, contatem o autor através do email rlovato@rlovato.com.br, ou deixe um comentário aqui nesta coluna. Uma Feliz Páscoa para todos.
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Manuela Reis
Belíssimo amigo! A morte não é nada…” quando chegar, não terá tempo de refletir sobre suas consequências,…..após ela passar, não mais possuirá consciência. Assim, porque se preocupar com o nada?”….Aproveitar sim, é, em saber utilizar bem o tempo que nos é dado, para viver o mais humanamente possível….viver em alegria, em plenitude, espalhando e propagando o bem, a solidariedade e o amor…apreciando e desfrutando da beleza que nos rodeia, certamente que encontraremos paz!!..Mensagem de Amor, Paz e Serenidade!! Bjos
Rafael lovato: 🙂 Bjão minha querida!
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Olinda Gonçalves
Amei.
Rafael Lovato: Bjo, Olinda.
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Mércia Slqueira Correa
Texto lindo do meu amigo querido Rafael Lovato em sua coluna semanal! A vida deve ser vivida sem medos!!
Rafael Lovato: Bjo minha querida!
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Salomao Raia
Excelente.
Rafael Lovato: Valeu, Salomão, grande abraço.
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Rosiane Ceolin
Obrigada tenho vontade de sentar e ler td logo rsrrsr.
Rafael Lovato: Que bom, minha querida Rosiane. Bjão!